top of page
um plano perfeito
Flávio Gonçalves
2009

A pintura já foi considerada janela, campo, plano ou pura sensação. Em todos os casos ela é ofício – do artista ou do observador. Mesmo que o grande assunto da pintura não seja a contemplação em si, esta última se apresenta como um evento para os sentidos e para o intelecto: campos de cor são aberturas para a percepção, onde nossa atenção se concentra e é absorvida. Matisse falava da cor dos céus, do espaço em volta ou da parede de um edifício da mesma forma que falava de suas pinturas. As qualidades e os sentimentos que essas suscitavam podiam surgir de qualquer lugar. Por isso ele viajou pelo mundo, mesmo sabendo que algumas paisagens não dariam boas pinturas.

Quando Amélia reúne materiais de qualidades diversas, organizados como uma procissão de tons, de cores e temperaturas diversas, a pintura surge como uma teoria pessoal da contemplação: a duração da experiência se dá na relação entre campos e planos, na capacidade de um material, por contraste de sentido ou forma, reenviar ao outro, construindo assim o espaço da experiência. Pois em alguns trabalhos nos sentimos dentro de uma recriação de uma experiência da artista, tal é o sentido de narrativa gerado pela reunião dos objetos e materiais: um padrão de madeira, um móvel anônimo, uma placa de vidro; e uma frase enigmática que parece não caber na situação a qual se refere: "Perdeu-se a nuvem sobre a ponte estreita, um brilho frio desliza pelas ruas".

Os valores do que possa ser pintura aqui não estão postos de forma direta no quadro, no plano ou no campo, mas na situação construída pelos diferentes elementos. Esse cortejo de materiais, de suas qualidades táteis, de sua sedução, como se refere a eles a artista, nos faz lembrar, por força de alegoria ou metáfora, que uma teoria não é senão um cortejo de idéias (ou mistérios), como queriam os gregos. E, partindo da racionalidade de planos verticais, horizontais, de materiais industriais, somos seduzidos a contemplar e a imaginar que essa profundidade é outra, que esse azul é outro, como nas coisas à nossa volta.

bottom of page