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sobre alguns retratos e seus corpos
Paulo Gomes
2009

É Pierre Francastel quem escreve que se se considera que a pintura responde a uma necessidade permanente das sociedades humanas ou, se quer, a uma função do espírito, temos que admitir que esta função foi expressa segundo as épocas, através da história, em formas distintas, das mais antigas e das mais permanentes. Podemos questionar porque em uma época de enorme facilidade de fixação de imagens ocorre esta tão insistente permanência do retrato.

Não é um caso isolado o trabalho sobre o qual escrevo, mas tem suas especificidades que devem ser ressaltadas. A obra de Amélia Brandelli é pintura, com todas as características desta manifestação artística, como o caráter plástico, o relevo, a questão do desenho interior (ou o espírito) e o desenho exterior (as linhas). São muitas as abordagens possíveis muitos os caminhos a serem trilhados, muitas as questões a serem colocadas, mas fiquemos com o caráter específico do retrato. Estes retratos são descendentes imediatos dos de Frida Kahlo, com a mesma pungência e a mesma falta de pudor em expor a alma atormentada pelas mazelas da carne, mas também são herdeiros mais remotos dos retratos romanos de Fayoum, imagens fortes e emocionantes que simulam faces vivíssimas, mas na realidade são imagens destinadas a preservar imagens de corpos mortos.

O retrato aqui é ainda um contrato da artista com a sua identidade e com a identidade da pintura de retratos através da história e, também, com a efetiva contemporaneidade da pintura, pois temos além das questões da auto-imagem, colocações instigantes sobre a estetização da vida contemporânea, a universidade da imagem, a individualidade feroz dos artistas e a pluralidade de abordagens que as obras proporcionam.

A pintura de Améia Brandelli transita entre a homenagem a resistência do corpo atormentad;, o despudor da exibição deste mesmo corpo dolorido e ainda a preservação desta imagem viva e pungente que é o corpo referencial do artista. Estes corpos, encapsulados em formas ovais, que remetem aos retratos tumulares ou ainda envoltos em formas que remetem a mortalhas ou crisálidas, vivem nos olhos que miram duramente o espectador, obrigando-o a fugir da inquirição para as grandes superfícies pictóricas que simulam carnes, corpos, emoções ou espaços de ação na imobilidade da tela.

Não é, entretanto, a pintura da desistência, da derrota ou do fim a que todos estamos sujeitos. Antes é uma pintura que fala da permanência através dos instrumentos maiores que temos para isso: o corpo e sua memória. Pois, como para os egípcios romanos de Fayoum, é necessário guardar a imagem e também não esquecer o nome.

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