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por um desenho infinito
Eduardo Vieira da Cunha
2019

A infinitude do desenho e a finitude da vida: esta relação filosófica é o enigmados trabalhos de Amélia Brandelli. Nesta exposição, ela desenvolve uma relação de intimidade entre as plantas, o motivo principal do trabalho, e o desenho, meio escolhido pela artista, podemos ver que entre a sombra e a luz há uma dialética infinitamente mais rica e complexa do quase parece. São trabalhos sobre papel e outras superfícies, em um diálogo constante com os materiais, onde o objetivo não é o de representar a natureza, mas de encontrar nas plantas e folhas os movimentos análogos ao tempo de execução de um desenho: veios, ramificações, rizomas, movimentos de continuidade.

Em um fluxo, onde cada desenho tem um processo próprio, há, segundo a artista, uma aproximação tanto com as origens do processo, /bem como a um retorno ao básico e essencial do meio, como linguagem visual. Na sua postura interrogativa de trabalhar luz e sombra como matéria e sujeito no desenho, a artista nos faz também pensar sobre a atitude de estar diante de uma planta: um resgate às origens do desenho, na observação dos pequenos detalhes, como no crescimento lento, invisível e interminável das formas de um ser vivo. Isto em oposição ao vazio, o desejo de falta e a perda da forma, o disforme, o limite de um impossível fim.

As variações do tempo assumem então, importância fundamental no processo artístico de Amélia Brandelli. Em contraste com certa incompletude e infinitude nos desenhos, o zoom nos pequenos detalhes, a divisão em módulos, continuidade do visível e do invisível, aparições espectrais se revelam. Aliás, uma pergunta aparece em suspenso em seu processo: por que desenhar? O desenho surge aqui como um trabalho de luto, uma tentativa de pensar e de eternizar o momento do antes da queda, aquele antes do fim. Mesmo comprimido por certas faixas que dividem o espaço, o desenho é encarado pela artista como uma maneira de estendera vida: um work in progress constante.

Os amálgamas de luz e sombra do papel, o negro do grafite, às vezes brilhante e refletindo a luz, justaposto com outros negros mais profundos que absorvem esta luz, paradigmas da presença/ausência, perda/permanência, são intervenções que falam da relação ambígua e complementar entre escuridão e iluminação. O trabalho da artista talvez possa ser visto como uma forma de ressaltar o valor simbólico das plantas e sua consequente ameaça da desaparição. Entretanto a artista vai mais longe, lembrando de uma memória afetiva dos materiais, um fluxo de continuidade onde amálgamas de branco e preto traduzem a luz em todas as inflexões do nosso pensamento.

Professor Doutor Eduardo Vieira da Cunha

14/09/2019

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