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teoria dos conjuntos
Flávio Gonçalves
2010

A justaposição nasce de um encontro, uma proximidade que forma o estar juntos. De mãos dadas ou diante de um conflito. Uma ação que se transforma em soma e que naturalmente é maior que suas partes – um assunto que percorre toda a produção de Amélia Brandelli.

O encontro de uma imagem com outra é o encontro de dois universos distintos, cuja significação muitas vezes tem o sentido de uma abertura que se dá através do olhar relacional que se estabelece. Quanto maior for a distância contextual entre um universo e outro, maior será o escopo dessa abertura. Paradoxalmente, a abertura de significação se dá como alargamento e como imprecisão: nem sempre se trata de um aprofundamento, mas da perda da relativa unidade do sentido. Imagens são como brotos, raízes frágeis que se desprendem facilmente e que ganham novas histórias.

Jean Dubuffet afirmava que procurava pintar no interstício da palavras, das definições. Dessa forma, ele pensava que as sensações e a imaginação seriam favorecidas pelo terreno impreciso e fértil onde a pintura se instalava. Por isso tanto se fala do “entre” como potência da junção, mais do que daquilo que é sujeitado por ela. A costura transforma a natureza das partes.

A relação que se estabelece entre as imagens nas montagens justapostas abre espaço para a busca por outros sentidos. Isso seria inútil se não fosse a promessa de um entendimento (ainda que inalcançável), mas a ênfase não está no sentido em si, mas na tarefa de buscar. O processo de formação de sentido tem no pensamento poético um aliado poderoso, mas temerário: a possibilidade de experimentar a abertura nos faz pensar que tudo pode ser reinventado e reconstruído. Se as definições pertencem à categoria do passado, as aberturas (poéticas, conceituais), pertencem ao futuro, uma sala ampla onde podemos correr e brincar, se não tivermos medo.

Amélia, em seus trabalhos, resume essa equação simples aos afetos. Aos seus afetos, ao seu universo, aproximando assim imagens que já nos são estranhamente próximas: o terreno de onde foram transplantadas permanece um mistério para o espectador. As distâncias entre uma situação e outra se fundem e formam continuidades que a junção pode oferecer. A experiência da pintura reaparece aqui. Como numa equação, a procura é mais por equilibrar as diferenças mantendo viva a circularidade, a recursividade do percurso.

A exemplo de seus trabalhos recentes, que combinavam diferentes materiais a partir de suas qualidades táteis e pictóricas, essas justaposições de imagens fotográficas confrontam qualidades ao reconhecimento das imagens, o que nos mergulha no terreno das lembranças mais do que no sensorial em si. A procura de um sentido muitas vezes se dá através de um enfrentamento. Reunir imagens caras aos nossos sentimentos e procurar decantá-las é um ato de enfrentamento, cujo significado é um devir que nos escapa.

A idéia que nasce diante de oposições binárias, do confronto entre duas grandezas é a da infância, da matemática em mim: a Teoria dos Conjuntos e sua elegante lógica [pertence, não pertence]; [contém, está contido]; o que é maior do que o quê? Perguntas e valores que se arrastam por uma vida toda. Às vezes a arte ensaia uma demonstração.

 

Flávio Gonçalves, julho de 2010

Professor do Instituto de Artes da UFRGS, artista e Doutor em Poéticas Visuais

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